quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Devorar é preciso!



Como se sabe (?), o catolicismo propôs uma classificação dos vícios humanos a partir de uma denominação classificatória que incluía sete “problemas” humanos e que necessitavam de uma norma civilizatória para tornar, gradativamente, a vida social – e pessoal – mais tolerável. Tal denominação que circulou em torno dos sete pecados capitais têm como finalidade educar e proteger os cristãos, partindo da premissa de que conhecer os pecados é uma forma de controlar os instintos básicos humanos. Para a psicanálise, tais instintivos receberiam o nome de pulsão. Por quê pulsão? Porque, uma vez que a linguagem entrou em cena e parasitou o homem tudo aquilo que era da ordem da natureza passou a se estabelecer em uma outra ordem, uma ordem marcada agora por aquilo que se chama de psiquismo humano.
Todos nós sabemos que nada no homem é natural. Uma vez tocado pela linguagem e por uma mensagem de um outro humano que o humanizou, aquilo que pode ser chamado de natureza foi modulado pela dimensão subjetiva. Assim, o homem come mesmo sem necessidade – ou deixa de comer mesmo tendo necessidade -, copula sem estar no cio e escolhe seu parceiro sexual – e escolhe inclusive não tê-lo. Se ao animal tal condição não é possível, no homem, tudo aquilo que é do campo da natureza é capaz de assumir toda sorte de vícios.
Se pensarmos assim, com a lógica civilizatória que o catolicismo impôs ao mundo, a seleção de pecados e a classificação em dois tipos foi, de alguma forma interessante, pois há os pecados que são perdoáveis e não têm a necessidade do sacramento e da confissão, e há os pecados capitais, esses terríveis e inescrupulosos vícios que são merecedores da condenação eterna. Na lista de tais pecados, encontramos sete: vaidade inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Como se vê, tal lista arrola aquilo que há de mais humano (e assim podemos pensar, de mais natural).
Segundo um teólogo antigo - Evagrius - os pecados tornavam-se piores a medida em que tornassem a pessoa mais egocêntrica e o orgulho é o topo da condição, pois, como teólogo lembra, foi esse orgulhinho besta que derrubou Lúcifer do coral celeste e o transformou nesse diabo terrível que povoa o imaginário dos povos. Por outro lado, no século VI, o Papa Gregório preocupou-se em classificar os pecados capitais como aqueles que ofendem o amor.
Esse prelúdio todo (opa! Nada mais missal que este termo!) é para convocar o leitor para uma reflexão em torno dos sintomas contemporâneos e o modo como eles provocam um transbordamento do gozo. Assim, começaremos por pensar, rapidamente, (com promessas de continuidade na próxima semana) como o pecado da gula se inscreve na lógica contemporânea a partir de sintomas que a clínica psiquiátrica denominou de transtornos alimentares. Nosso objetivo é, assim, pensar como diversos significantes novos apareceram na cultura e formaram sintomas diversos. Se pensarmos no pecado da gula, em termos de classificação psiquiátrica, temos o seu oposto, a anorexia, enquanto um sintoma em que o sujeito como o nada.
Pensaremos melhor nisso na próxima semana.

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